” E quem confia no Senhor, esse é feliz” (Provérbios)
O Cine Selles encerrou em junho a discussão do primeiro semestre de 2013 sobre o tema: FELICIDADE. Inesgotável e intrigante tema. Como definí-lo? Seria talvez como definir uma maçã? É vermelha, cheiro de maçã, sabor de maçã… definimos a maça? Assim é a felicidade, quase se define pela própria palavra, mas sua definição comporta muitos outros caminhos para alcançarmos seu significado. O certo é que: todos desejamos e buscamos a felicidade.
Nos três encontros anteriores abordamos o tema através da felicidade moderna; do amor ao próximo; e da virtude como caminho para a felicidade. Estes pontos já foram comentados e estão aqui, nos respectivos links:
Felicidade moderna e o filme Sem Limites: http://clinicaselles.com.br/sinapse/?p=1814;
Felicidade no amor ao próximo e o documentário Quem se Importa: http://clinicaselles.com.br/sinapse/?p=1881; e
Felicidade através do caminho da virtude e o filme Feitiço do Tempo: http://clinicaselles.com.br/sinapse/?p=1936.
Deixamos o quarto ponto para o encerramento. Por se tratar da mais delicada, discutível e polêmica questão: A religião é um caminho para a felicidade? A religião produz felicidade? Religião é igual à espiritualidade?
Neste encontro recebemos como convidado especial o Professor Paulo Cesar, filósofo e teólogo que nos esclareceu o significado de Religião. Também tivemos a participação do Padre Fernando, que nos falou de sua experiência e vocação.
Mas o que é Religião? Pode ser definida por uma doutrina que reúne um conjunto de crenças e mitos sobre a origem do cosmo, sobre o sentido da vida, sobre o significado da morte, do sofrimento e do além. Utiliza neste processo um conjunto de ritos e cerimônias, um conjunto de sistema ético com leis, proibições, regras de conduta, que são mais ou menos expressos e codificados e que se unem em uma mesma comunidade de fieis.
Um dado interessante sobre nosso tema de encerramento – Religião traz felicidade? – No Brasil, o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostrou que 92% dos brasileiros referem ter uma religião. Mas nem todos são felizes, pois em outro estudo o Brasil é o 16º país mais feliz do mundo (IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Voltando a questão religiosidade e espiritualidade: Tem o mesmo significado e definição? Não!
A espiritualidade seria uma dimensão mais ampla e mais independente das formas institucionalizadas e específicas encontradas na religião. A religiosidade seria algo atrelado a instituições religiosas, um estado ou necessidade interna. A espiritualidade seria um constructo com dimensão mais pessoal e existencial, como a crença ou relação com Deus, ou um poder superior.
Aqui temos outra questão: as pessoas religiosas são mais felizes que as não religiosas? A resposta é um redundante Sim.
Os motivos são múltiplos e muito interessantes:
- Os religiosos adotam um estilo de vida saudável;
- Em um grupo religioso, o indivíduo se sente respeitado e considerado;
- Em todas as religiões existe esse momento de silêncio e estar com Deus, meditação, que sabidamente ajuda no enfrentamento de problemas;
- Todas as religiões propõem um significado de vida; propõem a vida após a morte, o que mitiga a ansiedade da morte;
- Deus representa uma figura de apego, que suplementa as afiliações do indivíduo ou compensa a falta destas.
Em síntese, podemos dizer que: ter uma religião não nos torna feliz; mas ser uma pessoa religiosa acarreta mais felicidade.
Por que a escolha de “Sete anos no Tibet”, um filme que retrata a religião Budista?
Primeiramente, o Cine Selles tem a preocupação com a beleza estética e artística do filme. O filme é bem estruturado, com boa fotografia, interpretação, roteiro e mensagem final.
O filme: O roteiro é baseado em livro homônimo. Neste livro, o autor, que se denomina um montanhista, Heinrich Harrer, escreve sobre suas experiências no Tibet no período da segunda Guerra Mundial até a invasão Chinesa em 1950. Nesta narrativa, o autor percorre sofridas experiências de prisões, fugas, extremos de temperaturas, esforço em distanciar-se da Índia (para não ser preso) e então chegar no Tibet. Nesta empreitada, descobre o quão fascinante é o lugar, seus peculiares costumes, a forma de lidar com os estrangeiros. Sua jornada culmina com a chegada à capital do Tibet, Lhasa. E o mais importante, em Lhasa, relaciona-se com o Dalai Lama, o líder espiritual do Budismo. O livro em si não é fascinante, pois reporta experiências visuais, físicas e momentos de êxtase com a natureza que o escritor não consegue transportar em palavras e nãoemociona o leitor. Emociona pelo conjunto. Seu encontro com o Dalai Lama também não contém descrições de experiências espirituais, nem transformações de vida, mas sim um relacionamento de um estrangeiro com uma criança ávida por conhecimento. O livro termina com sua saída do Tibet devido à invasão Chinesa. A invasão causou um mal estar internacional ao colocar a China como o “mal” e despertou o mundo para a luta da libertação do Tibet.
Onde está nossa questão religiosa e espiritual neste filme? O filme – não o livro, mostra a mudança do personagem principal, que transforma o egoísmo extremo em aceitação e preocupação pelo outro. Este caminho é retratado no filme através de sua experiência em um país cheio de contrastes. O aventureiro egoísta tem um verdadeiro choque em seu corpo e alma, dizendo-lhe constantemente o quão pequeno e insignificante é sua condição diante da imensidão do mundo e das outras pessoas. O personagem passa então a reconhecer o outro, e ao mesmo tempo a si mesmo. Desperta sua esquecida função de Pai, negada no começo do filme, mas retomada na relação com o menino Dalai Lama. Ele volta à condição humana, anseia em ser respeitado como pai, tranquiliza-se em sua insana busca de escalar montanhas – compreende que o que buscava era a quietude e bem estar das montanhas, e confessa ter encontrado esse enorme bem estar diante do Dalai Lama.
No filme encontramos o maravilhoso e complexo encontro com Deus. Ou seja, a maravilhosa sensação de Felicidade. Mostra o encontro de duas pessoas, e o quanto essa experiência é transformadora. Mostra que a prática da religião traz bem estar social e felicidade, mas também pontua que a prática da religião não resolve todos os nossos problemas e não garante o encontro com Deus.
Este caminho de encontro com Deus é trilhado por nossa insistência e persistência pela busca da espiritualidade (interna) e religiosidade (prática). Aviso e alívio ao leitor: não é preciso ir ao Tibet, escalar montanhas, sofrer privações ou perdas para encontrar nossos próprios caminhos, encontrar Deus.
Precisamos de tenacidade, metas, crenças, de transformação interior. Precisamos aceitar a débil e transitória condição humana neste minúsculo planeta.
Em nossas discussões do semestre observamos que o sentimento de bem estar ou felicidade não é tão simples e rápido, é uma tarefa que exige esforço e persistência. Enquanto a proposta moderna de felicidade é a de obter, rapidamente, poder, dinheiro e glória, concluímos que o esforço humano em obter felicidade caminha através do aprendizado em amar o próximo, conhecer e melhorar nossas virtudes, ter uma religião, buscar nossa espiritualidade, e quem sabe encontrar Deus!
Todos conhecemos pessoas que já encontraram Deus. Pessoas que estão neste mundo para os outros, sem se esquecer de si mesmas, que deixaram para trás essa ânsia de poder e competitividade, deixaram de desejar o impossível e de alcançar um poder perante os outros. Estas pessoas são mais felizes, com semblantes serenos, tranquilas, que nos transmitem segurança e bem estar.
Essas pessoas estiveram com Deus.
Todos nós podemos chegar a essa condição de contato com Deus, de aceitação da nossa insignificante importância no complexo Universo? Não! Mas se continuar tentando, insistindo e persistindo, Sim.
Frustrante essa conclusão? Parece que alguns seres estão fadados a viver sem essa epifania, sem esse encontro com Deus. Enquanto algumas pessoas são agraciadas com esse privilégio, outros percorrem um longo percurso em uma estrada pedregosa.
Para nosso consolo, daqueles que ainda não tiveram um encontro com Deus – vocês não estão sozinhos. Carlos Drummond de Andrade em seu poema “A Máquina do Mundo”, descreve a sua caminhada por uma estrada de Minas Gerais, na qual Deus falou com ele, mas ele recusou o encontro. Deus bem que tentou! Mas Carlos respondeu: “… Mas, como eu relutasse em responder a tal apelo assim maravilhoso, pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio…”. O poeta deixa para traz essa possibilidade de estar com Deus, perde esse encontro. E segue seu caminho, sozinho, por uma estrada pedregosa, escura e pesada.
Portanto caro leitor, esse encontro com Deus não é simples! Podemos dizer que é possível para todos, mas parece que somente alguns o reconhecem e aceitam; outros relutam em reconhecer ou enxergar.
A receita é persistir em nossa estrada pedregosa com olhos bem abertos, não desistir, rezar, e quem sabe, um dia, nos encontrarmos com Deus.
Bibliografia e links
Arendt, H. – A Condição Humana. Forense Universitária – 11ª edição – Rio de Janeiro, 2010.
Bruckner, P. – A Euforia Perpétua. Ensaio sobre o dever da Felicidade – 3ªedição – Rio de Janeiro, 2010.
Dalgalarrondo, Paulo – Religião, Psicopatologia e Saúde Mental. Artmed, Porto Alegre; 2008.
Drummond de Andrade, Carlos – ‘A máquina do mundo’, Antologia poética – Record, Rio de Janeiro; 2001.
Moreira-Almeida,A. et al. Religiousness and mental health: a review. Rev.Bras.Psiquiatria. 2006; 28(3):242-50.
Schoch, Richard. A história da (in) felicidade. BestSeller, Rio de Janeiro; 2011.
Stavrova, O et al. Why are religious people happy? The effect of the social norm of religiosity across countries. Social Science Research 42 (2013) 90–105.
IPEA: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=16526&catid=159&Itemid=75
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