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    “… seria fácil se soubéssemos não odiar nunca, amar sempre. Pois então seriámos tão felizes de só dizer as coisas que podem dar alegria aos outros, enternecê-los, fazê-los amar-nos!” Proust – Em busca do tempo perdido.

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    QUEM SE IMPORTA?

    Na última quinta-feira de abril discutimos o segundo filme que aborda o complexo tema escolhido pelo Cine Selles: A FELICIDADE. A porta para a discussão foi este filme sobre empreendedores sociais, ou seja, o trabalho de pequenas formigas pelo mundo, um trabalho voltado para o outro e pelo desenvolvimento de novas formas de ver o mundo. Quando falamos nestes trabalhos voluntários, em ajudar o outro sem interesse, sem nenhum ganho secundário, soa como uma Utopia, pois este comportamento, apesar de desejado, comentado, e até elogiado por todos, não é tão facilmente colocado em prática. As pessoas comentam, falam e até se exaltam muito mais do que fazem.

    mos2_11 O filme questiona dois pontos: nossa atual “anestesia” cívica e a grandiosidade da boa ação. Arranca-nos de nosso sonolento torpor cívico às vezes disfarçado com posições de questionadores: “que tudo está horrível”, “que ninguém faz nada para melhorar”, “que os políticos não prestam”, mas paralisados. O documentário incita-nos a fazer algo. Estimula-nos para a ação. E em segundo lugar, derruba a ideia de que uma boa ação deve ser algo grandioso, magnâmico, transformando-a em algo pequeno, simples, barato, fácil – ao alcance de todos. Aquela velha ideia dos escoteiros: uma boa ação todos os dias, como auxiliar uma velhinha a atravessar a rua. Ingênuo? Quem não assistiu ao filme, fica o convite. Para os que já assistiram,  seguimos com nossa discussão. O filme ainda questiona a implacável Lei da sociedade: O homem é o lobo do homem” de Hobbes, ou no Brasil: a Lei de “Gerson”, onde devemos levar vantagem em tudo. Este conceito enquadra o sentimento que permeia a todos quando falamos de sociedade. E na nossa sociedade pós-moderna, onde impera a “economia do desejo” (tudo vira objeto de desejo, de consumo), a intolerância às diferenças, que gera isolamento entre as pessoas, o egocentrismo e a fluidez nas relações humanas, nada deve persistir no mundo pós-moderno, tudo passa. Então como é possível que o filme retrate o contrário destas constatações pós-modernas? Primeiro, vou corrigir: não é um filme, é um documentário. Portanto, o que se passa dentro dele não é uma mentira, não é uma ilusão, não uma “verdade no cinema”, não é uma mentira mascarada. O documentário não é um conto fantástico, onde até o absurdo parece real.

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    QUEM SE IMPORTA é isso: fala de seres humanos. Relata o trabalho de seres humanos que existem neste mesmo planeta que você leitor se encontra! Mais precisamente, aqui no Brasil e em outros sete países diferentes, o documentário apresenta histórias de vida de 18 empreendedores sociais que com seu trabalho conseguiram transformar e melhorar diferentes problemas. O que eles têm em comum? Acreditam no potencial humano e inspiram as pessoas a transformar realidades sociais, ambientais, econômicas e políticas. Estas pessoas apresentam um comportamento pró-social. O que é comportamento pró-social? Comportamento pró-social é o termo usado para se referir a uma categoria ampla de ações definidas pela sociedade como geralmente beneficentes para outras pessoas e para o sistema político vigente. Ou seja, o comportamento pró-social tem sido caracterizado pela tendência das pessoas atuarem voluntariamente em benefício de outros e considerada como um princípio básico da natureza humana. Mas o que une as pessoas? O que leva uma pessoa a ajudar a outra? Para Freud é o amor! Textualmente ele coloca: “Designamos libido, uma energia, considerada uma magnitude quantitativa, dos instintos relacionados com tudo susceptível e compreendido sobre o conceito de amor… Amor no sentido de Eros (Platão) e Paulo (Epistola aos Coríntios)”. Mas o que exatamente observamos nas relações entre as pessoas? Compaixão, palavra de origem latina que significa sofrer com. E seu “quase sinônimo”, simpatia, que é sentir com (André Comte-Sponville, 1999). E não podemos esquecer o altruísmo, uma devoção pelo bem estar dos outros, uma consideração com o outro, uma ação. Oposto ao egoísmo (Auguste Comte). E também observamos outras duas palavras relacionadas: a simedoniasentir-se feliz pela felicidade do outro, uma “alegria altruísta”; e seu oposto: Schadenfreude, uma palavra de origem alemã que significa sentir-se feliz pela desgraça alheia. Schadenfreude é uma reação de felicidade, de alívio, que sentimos quando algo ruim acontece à outra pessoa (e assim nos poupa). É a insistência em censurar a vítima é uma maneira de assegurarmos a nos mesmos que o mundo é melhor do que parece e que ninguém sofre sem que haja uma boa razão (Kushner, 2008). Voltando ao documentário QUEM SE IMPORTA, o roteiro nos leva a várias experiências reais de simpatia (sentimento), altruísmo (sentimento + ação), e simedonia (sentimento + ação + felicidade), de pessoas que ajudam ao outro, com o intuito de ser um “empreendedor social”. É um movimento de ajuda, com boas ideias, eficiência, e ganhos financeiros para ambas as partes. O que se busca é uma soma que não seja zero, este conceito tem como princípio, nas ações financeiras, que a forma mais eficaz de trabalho é aquela que produz um beneficio para ambas as partes. Os empreendedores sociais retratados no filme compartilham com o público a alegria que sentem por terem uma missão de vida, suas visões de futuro e suas soluções para um mundo sustentável, mais justo e melhor. Utopia? Capitalismo não selvagem? A ideia é mostrar que também existe nos seres humanos o sentimento de simpatia e compaixão. Tal sentimento gera ação, e esta ação gera felicidade. Assista o documentário, acesse o site www.quemseimporta.com.br ou entre na página do filme https://www.facebook.com/#!/quemseimportaofilme?fref=ts. Eu me importo! A Clínica Selles se importa! Bibliografia: Ching Man Lam (2012) – Prosocial Involvement as a Positive Youth Development Construct: A Conceptual Review. The Scientific World Journal. 2011; volume 2012; 1-8. Comte-Sponville, A. (1999) – Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. Martins Fontes. São Paulo, 1999. Dovidio, J. F., Piliavin, J. A., Schroeder, D. A., & Penner, L. A. (2006). The social psychology of prosocial behavior. New York: Lawrence Earlbaum. Freud, S. – Psicologia de las masas y analisis del yo. Em Obras Completas de Sigmund Freud – Tomo III. Quarta Edição. Madrid: Biblioteca Nueva; 1981. Pag. 2564-2610. Kushner, H. (2008) – Quando Coisas Ruins Acontecem as Pessoas Boas. Editora Nobel. São Paulo. 2008. Royzman, EB and Rozin, P. (2006) – Limits of Symhedonia: The Differential Role of Prior Emotional Attachment in Sympathy and Sympathetic Joy. Emotion. 2006, Vol. 6; No. 1; 82–93

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