“Nada é mais difícil de suportar do que uma série de dias felizes” (Goethe)
O Cine Selles iniciou o ciclo de cinema em 2013 com o filme Sem Limites. O personagem principal, Eddie Morra, é um medíocre. Sua vida muda quando lhe apresentam um medicamento revolucionário, fantástico, maravilhoso que abrirá portas inimagináveis de sua capacidade mental. Este é o resumo do primeiro filme que ilustra nossa discussão sobre a Felicidade.
A ideia do filme é semelhante ao mito de Fausto. Porém, um Fausto moderno, onde não temos mais um Deus com quem falar e clamar nossos anseios e desejos. O deus é a indústria farmacêutica que nos traz novas drogas que podem mudar nosso estilo de vida, nos transformar em super-homens, nos deixar felizes, nos dar a imortalidade, e mais asas para nossa imaginação.
Não nos reportamos mais a um deus e sim a um CEO, em bom português: o “chefe”. Deus desaparece e dá lugar a personagens efêmeros que surgem na mídia e condensam o que a modernidade vende e exige das pessoas: sucesso, poder, dinheiro, notoriedade.
Neste contrato com a Modernidade também encontramos letras miúdas, ou uma cilada na oferta de felicidade. No mundo pós-moderno ser feliz significa ser perfeito.
Vamos rever o Mito do Fausto de Goethe? Neste texto Goethe faz uma crítica à modernidade. No século XIX a modernidade de Goethe era de uma Europa marcada pelo iluminismo (razão pura) e a revolução industrial (emergência do capitalismo) onde o controle da natureza e o capital supostamentetrariam a felicidade aos homens. Logo, no texto, o personagem Fausto faz um pacto com o demônio em busca de conhecimento, riqueza, poder sobre os homens, sobre a natureza, e sobre o prazer.
O filme “Sem Limites” também retrata uma crítica ao mundo atual, um mundo onde o controle da natureza pode ser despertado por um fármaco, um deus moderno, pois em nosso tempo, a espiritualidade está enfraquecida no coração dos homens.
O filme também coloca em discussão a possibilidade de existir dentro do cérebro humano um super-homem adormecido, uma referência à outra teoria – a de que utilizamos parte de nossa capacidade mental. Atualmente a neurociência derrubou essa teoria ao provar que utilizamos toda nossa capacidade cerebral. O que se estuda atualmente é a evolução do cérebro frente à sobrecarga de informações e estímulos a que somos submetidos.
Voltando aos nossos pactos modernos: quem não se submeteria a uma cirurgia plástica para ter um corpo perfeito? Quem não tomaria um remédio para melhorar seu desempenho intelectual e passar em um cobiçado concurso público?
Essas questões nos remetem ao quão disposto estamos para obter a satisfação de nossos desejos, o quão fácil é para nós, pós-modernos, enveredarmos por um atalho para alcançar nossas metas. Para ter um corpo perfeito precisaríamos horas de academia, reeducação alimentar, hábitos saudáveis. Para passar numa prova são horas, dias, meses, anos de estudo para sedimentar e atingir o conhecimento. Mas esses caminhos são difíceis, por que não um pequeno pacto? “Seus problemas acabaram!” Nada melhor que um caminho ou um projeto já pronto! Que felicidade! Felicidade agora! Felicidade Já!
Portanto, seguimos vendendo nossa alma de diferentes maneiras, a prestações, em pedaços, um aqui outro ali…
A modernidade traz a ideia da rápida realização do desejo e nos dá instrumentos para satisfazê-la: Precisa de cirurgia plástica: 10x sem juros. Quer ser feliz: Prozac! Quer ser o melhor: tome NZT-48!
No final o personagem acaba bem. Eddie Morra entra para o mundo político e almeja ser presidente dos EUA, adquirindo capacidade de controlar o futuro. A mensagem parece ambígua. Será que continua fazendo uso do NZT? Ou apenas descobriu como utilizar 100% de seu cérebro? O personagem torna-se esse ser todo poderoso, contrário a Fausto, que reconhece suas fraquezas e sua condição de humano.
O filme não trás grandes interpretações dos atores. Não há perfis e personalidades específicas. Talvez seja a proposta do diretor, onde tudo é plano, sem destaques, uma forma de mostrar que somos um pouco de cada um deles. Fala sutilmente de personagens com os quais nos identificamos. Queremos ser Eddie Morra que descobriu rapidamente suas habilidades através da medicação. Queremos ser Carl Van Loon, personagem de Robert de Niro, que é o poderoso empresário americano. Queremos ser Lindy, a noiva de Eddie Morra, sensata, trabalhadora e apaixonada. Mas não desejamos parecer com os que não foram bem sucedidos: Vernon, o cunhado traficante que é assassinado. Pierce, o mafioso da quadrilha russa. Melissa a ex-esposa de Eddie, que luta para sobreviver após a dependência de NZT. Ou seja, seguimos desejando o sucesso ou estar no lugar de quem é bem sucedido na vida. Para isso negamos as imperfeiçoes e fracassos. Preferimos negligenciar nosso conhecimento de que o sucesso depende de muito esforço e, como retratado no filme, muitas vezes o que surte efeito para uns significa a morte e mais sofrimento para outros – O NZT foi bom para Eddie, mas péssimo para Vernon e Melissa. Talvez por isso a escolha de assinar um contrato às cegas, quando nos prometem felicidade e sucesso rápido.
E por fim, o que o filme ‘esqueceu’: – Como funciona a mente humana! Sabemos que toda a persistência de uma felicidade, proporciona uma adaptação, uma acomodação, onde a fantástica sensação inicial logo passa a ser banal, e não mais desperta o mesmo prazer inicial. Logo, precisamos de outro desejo. Ou como bem colocado por Bernard Shaw: “existem duas catástrofes na existência: a primeira é quando nossos desejos não são satisfeitos; a segunda é quando são”.
Aqui temos que falar sobre adaptação hedônica, ou seja, quando nos acostumamos com o prazer ele passa a não mais despertar prazer. Vivemos de contrastes, de desejar, de alcançar e buscar desejar de novo. Este parece ser o dilema humano. Por fim, a busca da perfeição nos leva a frase inicial de Goethe: “Nada é mais difícil de suportar do que uma série de dias felizes”.
Esses e outros pontos foram motivo de uma boa conversa no primeiro encontro do ano do Cine Selles, em Guaratinguetá-SP.
Agradecemos a todos que, com sua presença, tornaram o assunto mais interessante e mais humano!
Esperamos nos encontrar no próximo Cine Selles no dia 25 de abril.
O questionamento sobre a Felicidade continua: Será que o sentimento de Amor pelo próximo traz felicidade? Vamos assistir e discutir sobre Altruismo (ajudar o outro) eSimedonia (simpatia pela felicidade do outro) através do documentário: “Quem se importa”.
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Comentário excelente sobre a questão, vale a pena assistir ao filme. Aproveite e participe do Concurso Retratos de Felicidade em facebook.com/criarfelicidade
Reply →Comentário excelente sobre a questão, vale a pena assistir ao filme. Aproveite e participe do Concurso Retratos de Felicidade em facebook.com/criarfelicidade
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